Em estudo, videogame aprimora funções mentais de idosos
A afirmação dos pesquisadores da Universidade da Califórnia feita na edição de hoje da “Nature” parece saída de um dos vários sites que anunciam “jogos para melhorar seu cérebro”.
Mas agora, dizem eles, a coisa é séria: pela primeira vez, demonstra-se que um treino com um videogame customizado melhorou o desempenho não só na tarefa treinada pelo jogo mas em outras funções, como a memória de curto prazo.
O jogo, batizado de Neuroracer, tinha duas missões. Uma era clicar rapidamente quando um círculo verde surgia na tela, mas não quando outros símbolos apareciam.
A segunda era manter um carro com jeito de fusquinha no centro da pista, enfrentando curvas e altos e baixos.
Para começar o estudo, foram avaliadas 174 pessoas de 20 a 79 anos. Eles jogaram uma versão só com os símbolos e outra que exigia controlar o carro e responder aos símbolos. Com isso, foi possível medir a queda de performance ao realizar as duas tarefas ao mesmo tempo.
Como esperado, os jovens de 20 anos tinham uma queda menor (27%) no desempenho do que os idosos (64%).
Depois, 46 adultos de 60 a 85 anos foram divididos em três grupos: um usou o jogo em sua forma completa, com carrinho e símbolos; o segundo usou só um ou outro e o terceiro não jogou.
Ao comparar os resultados de testes cognitivos feitos antes e depois das quatro semanas de treinamento, os cientistas perceberam que os idosos tiveram desempenho até melhor do que o dos jovens que usaram o jogo só uma vez. Mas o melhor foi a constatação de que outras habilidades, como a capacidade de alternar a atenção, também melhoraram.
Em entrevista coletiva por telefone, Adam Gazzaley, um dos autores do estudo, destacou que as mudanças, observadas também no padrão de atividade cerebral medido por eletroencefalograma, foram mantidas seis meses após o período de treino.
Edson Amaro Jr., neurorradiologista do Hospital Israelita Albert Einstein e professor da Faculdade de Medicina da USP, lembra que estudos anteriores já mostraram que as multitarefas como as que enfrentamos no nosso dia a dia podem piorar funções cognitivas, mas que o treino proposto pelo grupo da Califórnia é diferente, já que a atenção dos voluntários estava concentrada sempre na mesma tela e a reação motora era sempre a mesma.
“O mais interessante foi a melhora nessa memória de curto prazo, que usamos ao ler um livro e lembrar do que estava no início da página. É uma das primeiras a se deteriorar no alzheimer.”
Para o neurologista Paulo Caramelli, professor da Faculdade de Medicina da UFMG, o estudo demonstra a importância de dar fundamento científico aos jogos de treino cognitivo que já estão no mercado. “Isso abre a possibilidade de uso dos jogos para promoção da saúde e em pessoas que já tenham problemas de memória.”
Segundo Gazzaley, a ideia no futuro é desenvolver mais o jogo e até submetê-lo à FDA (agência reguladora de remédios nos EUA) como tratamento.
Fonte: Folha de São Paulo